Recordando Euclides da Cunha

Quem se detiver no exame dos fatos, que influíram ponderavelmente na vida e na obra do grande escritor fluminense Euclides da Cunha, de logo chegará à mais segura convicção de que o consagrado beletrista foi um homem marcado pela adversidade, desde o alvorecer da existência.
Órfão de mãe aos primeiros anos de idade, foi entregue então aos carinhos e aos cuidados de uma tia que, por mais que o desejasse, nunca pôde representar efetivamente o importante papel, que estaria reservado à genitora do jovem custodiado, tão cedo imolada ao convívio dos filhos.
Euclides criou-se, assim, num ambiente de revolta, de íntima amargura, a exemplo dos que são irremediavelmente levados para os negros caminhos da orfandade.
Criou-se, educou-se, amadureceu para as penosas refregas da vida e, afinal, casou-se, seguindo o destino de quase todos os mortais.
Há, entretanto, os que se casam bem, os que encontram na esposa a companheira fiel de todas as emergências, a extremosa mãe de seus filhos. Mas há também os que — como Euclides da Cunha — se ligam a verdadeiros demônios despudorados, que ignoram o merecimento do marido, que lhe conspurcam a dignidade, que se divorciam da nobre conduta matrimonial, para arrastarem levianamente à sarjeta a honra de toda a família.
O pobre Euclides foi um desses infelizes, que o destino impiedosamente escalou, para o desempenho do mais triste e miserando papel: casou-se com uma «dama», forrada de escassíssimas virtudes morais.
O passar dos anos veio agravar ainda mais esse negativo aspecto de sua conduta moral. Por diversas vezes, orientado pelos amigos, procurou pôr em brios a mãe de seus filhos, mas debalde. As cenas de despudor se sucediam, arrastando à impudicícia o conceito fragílimo de seu lar.
Houve momentos em que teve de falar mais francamente à esposa, mostrou-lhe a dolorosa encruzilhada de que se iam aproximando.
Ela ouvia. Entretanto, não se mostrava sensível às consequências de natureza psicológica, que seus atos geravam no ambiente social. Ele, homem culto, mas apaixonado, passou a tolerar cada vez mais as concessões, que a esposa fazia à imoralidade.
Houve uma época em que, desorientado, alistou-se entre os que foram conhecer de perto a miséria de Canudos, comandada na Bahia pelo visionário Antônio Conselheiro.
Foi quando o cabresto andou à solta…
De regresso ao Rio, foi ao encontro da esposa, que o recebeu com a maior indiferença.Ainda assim, perdido no mundo da fantasia, perdoou-lhe aos pecados e prosseguiu conduzindo sua pesada cruz.
Um dia, porém, — 15 de agosto de 1909 — Euclides da Cunha foi informado de que, numa velha casa da Piedade, se desenrolavam cenas altamente atentatórias à sua dignidade de marido. Transtornado, armou-se e saiu ao encontro da morte.
No local — de tão triste memória — bateu-se a bala com o algoz — seu sobrinho, Dilermando de Assis — que acabou assassinando-o, duramente.
O criminoso foi processado, julgado e absolvido. Agira em legítima defesa. A viúva, indiferente à tragédia, casou-se depois com o assassino do marido.
Anos mais tarde, o destino armou nova tragédia. Um dos filhos de Euclides da Cunha, o que lhe guardava o nome, ao encontrar o algoz de seu pai, sacou da arma e fez fogo contra o bandido que, mesmo caído, conseguiu ferir mortalmente o rapaz, filho da mulher que com ele vivia. Novamente processado, julgado e absolvido Dilermando!…
Nem por isso, entretanto, a mulher «pivô» de todas as misérias se afastou do homem que lhe matara o marido e o filho!
Sem dúvida, esta é uma das mais dolorosas páginas, que uma mulher infiel escreveu nos fastos da sociedade e na história de um grande vulto das letras nacionais.
No dia de hoje, derramo sobre a memória desse gigante, que escreveu com «Os Sertões» a História do Brasil, um pouco das rosas, que uma mulher tingiu com o vermelho escarlate do sangue de um inocente.